terça-feira, 8 de setembro de 2009

Exu Tiriri

Portugal, final do século dezenove.

Passam das 23 horas quando Bartolomeu Custódio bate à porta de seu primo e é atendido pelo rapaz que, visivelmente, foi acordado pelas insistentes batidas.

- Primo, preciso urgente de ti!

Fernando manda-o entrar deixando claro estar contrariado com a visita repentina em tão tardio horário.

- Nem me fale Bartolomeu! São réis o que deseja. Não é?

O homem baixa a cabeça e responde num fio de voz:

- Perdi mais de mil no carteado do Barão senão pagar ele ameaçou acabar com minha família.

- Mil?Estás louco?Não faz um mês que paguei sua divida de quinhentos e já vens aqui pedir-me mais de mil?Onde vais parar,ou melhor,aonde vou eu parar com tantos réis que se vão ladeira abaixo?Achas que por ter tido sorte na vida tenho que carregá-lo nas costas? A ti, tua família, teu maldito vicio?

Bartolomeu ouve tudo sem levantar os olhos.

- Primo, só tenho a ti para recorrer.O que será de minha mulher e meus filhos? Juro-te que nunca mais jogarei um só conto em nada!

O rapaz está descontrolado e replica aos gritos:

- Já ouvi essa ladainha muitas vezes e não vou mais cair nessa conversa.Vá ao Barão e diga que não tem, não conseguiu, e ele que espere.Ainda ontem a pobre de tua mulher veio até aqui pedir-me comida.Crês nisso?Tive que dar comida a tua família.Enquanto tu espezinha-me com dívidas de jogatina. Olhe para ti! Estás em estado lamentável, além de cheirar a vinho à distância. Saia já de minha casa.

Dirige-se para a porta e a abre com violência. Bartolomeu levanta-se lentamente,de seus olhos caem lágrimas,é duro ter que ouvir tudo que está ouvindo, apesar de ser a mais pura verdade. Faz ainda uma última tentativa.

- Primo, pelos teus filhos, ajuda-me!

Fernando continua parado à porta apontando a rua.

- Fora daqui, vagabundo! Nunca mais me apareça, porco imundo!

Sem mais nada dizer o homem retira-se lentamente ouvindo o baque violento da porta atrás de si. Caminha tropegamente enquanto as lágrimas embaçam sua visão. Sabe que fez tudo errado. Sempre! Foi mulherengo, bêbado, viciado em jogos. Tem a exata noção do péssimo pai e marido que é. Seu primo tem toda a razão em humilhá-lo. Sem perceber, depois de muito caminhar, está sobre uma ponte. Talvez seja essa a única saída.

Faz uma pequena prece e atira-se nas águas profundas do rio. O espírito de Bartolomeu Custódio durante anos perambulou por sendas escuras e tortuosas. Passado um longo tempo e depois de rever erros e acertos de vidas anteriores, foi amparado por mentores que o encaminharam para a labuta do resgate cármico. Hoje, trabalhador de nossos terreiros, é conhecido como o grande Exu Tiriri, elegante, educado e sempre com um profundo respeito para com seus consulentes, nem de longe lembra a triste figura apresentada neste texto.

Laroiê Seu Tiriri!

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